Se depender da química, suas garrafas de uísque vão render mais. Bem mais. Colocar um pouco de água
na dose antes de beber faz com que as substâncias responsáveis pelo
aroma e o sabor se concentrem na superfície do líquido – o que tornaria a
experiência ainda melhor (e mais econômica!) para os degustadores de
plantão.
Usando um modelo de computador
para prever, em escala microscópica, as interações entre três das
moléculas que compõem a bebida: água, etanol e guaiacol – uma substância
oleosa e aromática que entra na receita da bebida durante a maturação
graças aos barris de carvalho.
Moléculas de etanol tem duas pontas.
Uma delas se sente atraída pela água, a outra não. Isso significa que o
lugar perfeito para um C2H6O
(essa é a fórmula do etanol) é a superfície do líquido – onde a ponta
que gosta de água pode ficar mergulhada, e a ponta que não gosta pode
ficar com “a cabeça para fora”.
Acontece que uísque de verdade tem entre 40% e 46% de álcool em sua composição. Ou seja: não há espaço para todas
as moléculas de etanol ficarem com metade do corpo para fora do líquido
– a maior parte delas fica mergulhada, mesmo. Para evitar o contato com
a água, elas acabam se concentrando em bolsões no interior do líquido.
E aí começa o problema: o guaiacol
gosta mais de etanol do que água. Se há muito álcool mergulhado, então
também haverá muito guaiacol se afogando. E quando o dito cujo não
consegue chegar à superfície, ele não libera todo o seu potencial
aromático.
É difícil detalhar mais essa dança molecular sem usar termos técnicos. Mas a moral da história é que, por causa do delicado equilíbrio entre H2O e C2H6O, o guaiacol aparece na superfície do líquido com mais frequência se o álcool estiver em concentrações menores que 45%.
Essa é uma justificativa científica
para algo que as destilarias já sabiam por força do hábito e da
tradição: todo uísque sai do barril com concentrações entre 60% e 70%, e
só se torna a bebida que conhecemos após receber água. Muitas
outras moléculas que dão sabor a destilados se comportam da mesma
maneira que o guaiacol, o que torna os 40% uma espécie de sweet spot do sabor, válido para qualquer bebida desse tipo.
Dito tudo isso, vem um bônus que precisa ser usado com muito cuidado:
se a destilaria põe água demais na bebida antes de engarrafar e passa
dos 40% regulamentares, muito guaiacol vai para a superfície do líquido –
e acaba escapando pela tampa, o que faz com que o uísque perca sabor
com o tempo. Se você, por outro lado, colocar um pouco mais de água só na dose em que irá beber e na hora em que irá beber – jogando
a concentração para algo próximo de 27% – você também aumentará a
superfície de contato do guaiacol com o ar em 66%, o que deixa o sabor
ainda melhor naquele momento. E, é claro, economiza uns goles.
Isso pode, de quebra, explicar o sucesso do cubo de gelo gigante que vai dentro do uísque de Don Draper em Mad Men.
Ele derrete devagar – devagar o suficiente para diluir a bebida na dose
certa, sem estragá-la. Pedras de gelo menores derretem mais rápido,
passando dos 27% indicados.
Fonte: Revista Superinteressante
Abrácidos Exotérmicos;Prof. Cezário Júnior.
Nenhum comentário:
Postar um comentário